quinta-feira, 16 de abril de 2009

Comportamento Humano: Determinado ou Livre?

No século XIX, o positivismo, na ânsia de aplicar o mesmo método das ciências da natureza às ciências humanas, estenderam-se a estas o determinismo, considerando que a escolha livre era uma mera ilusão.
Um dos discípulos de Compte, Taine (1828-1893), tornou-se conhecido sobretudo pelas leis da sociologia, segundo as quais toda vida humana social se explicaria
por três factores:
- a raça, que é a grande força biológica dos caracteres hereditários determinantes do comportamento do indivíduo;
-o meio, pelo qual o indivíduo se acha submetido aos factores geográficos (como o clima, por exemplo), bem como ao ambiente sócio-cultural e às ocupações quotidianas da vida;
- o momento, pelo qual o indivíduo é fruto da época em que vive, estando subordinado a uma determinada maneira de pensar característica do seu tempo.


O pressuposto do pensamento de Taine é o determinismo, pois o acto humano não é livre, já que é causado por esses factores e deles não pode escapar.
Vamos encontrar o reflexo dessa visão determinista na clássica teoria de Lombroso, jurista que pretendia, pela análise das características físicas dos individuos, identificar o criminoso "nato".
Também a literatura foi influenciada pelo determinismo positivista: a estética naturalista oferece inúmeros exemplos da tentativa de explicar o comportamento humano como decorrente de fatores determinantes, sem nenhuma possibilidade de transcendência.
Émile Zola, romancista francês, afirmou:
"O romance experimental é uma conseqüência da evolução científica do século; cabe-lhe continuar e completar a fisiologia...; ele substitui o estudo do homem abstracto, do homem metafísico, pelo estudo do homem natural, submetido às leis físico-químicas e determinado pelas influências do meio".


A liberdade incondicional


Contrapondo-se ao determinismo, há teorias que enfatizam a possibilidade da liberdade humana absoluta, do livre-arbítrio, segundo o qual o homem tem o poder de escolher um acto ou não, independentemente das forças que o constrangem.
Segundo esta perspectiva, ser livre é decidir e agir como se quer, sem qualquer determinação causal, quer seja exterior (ambiente em que se vive), quer seja interior (desejos, carácter). Mesmo admitindo que tais forças existam, o acto livre pertence a uma esfera independente em que se perfaz a liberdade humana. Ser livre é, portanto, não ser determinado por causas.
Bossuet (séc. XVII) no Tratado sobre o livre-arbítrio, diz o seguinte:
"Por mais que eu procure em mim a razão que me determina, mais sinto que eu não tenho
nenhuma outra senão apenas a minha vontade:sinto aí claramente minha liberdade, que consiste unicamente em tal escolha."


Superação da dicotomia: Determinismo ou liberdade?

Afinal "o homem é livre ou é determinado?"
A questão assim colocada gera um falso problema.
Na verdade, o homem é determinado e é livre. É preciso considerar os dois pólos contraditórios, superando o materialismo mecanicista, segundo o qual o homem é determinado bem como a tese da liberdade incondicional. Segundo a concepção dialética, embora os pólos determinismo-liberdade se oponham, na verdade estão ligados:

" O Homem é realmente determinado, pois se encontra situado em um tempo e espaço e é herdeiro de uma certa cultura;
" mas o Homem é também um ser consciente, capaz de conhecer esses determinismos; tal conhecimento permitirá a acção transformadora que, a partir da consciência das causas (e não à revelia delas), pode construir um projecto de acção.


Portanto, só a consciência do determinismo não é suficiente, pois a liberdade se torna verdadeira quando acarreta um poder, um domínio do homem sobre a natureza e sobre a sua própria natureza.
A consciência que o homem tem das causas se transforma, por sua vez, em outra causa, capaz de alterar a ordem das coisas. Com isso, não se rompe o nexo causal, mas introduz-se uma outra causa - a consciência do determinismo - que transforma o homem em ser actuante, e não simples efeito passivo das causas que agem sobre ele.

O filósofo Mounier diz:
"Enquanto se desconheceram as leis da aerodinâmica, os homens sonhavam voar; quando o seu sonho se inseriu num feixe de necessidades,voaram". Lembremos aqui o significado do conceito de necessidade. Descobrir o feixe de necessidades é conhecer as leis da aerodinâmica, ou seja, saber o que faz voar um corpo mais pesado do que o ar.
Não há mágica: há conhecimento dos determinismos. O sonho se concretiza no trabalho do homem como ser consciente e prático.
Do ponto de vista psicológico, ocorre o mesmo processo. Suponhamos que alguém tenha um temperamento agressivo. Se ele se reconhece assim, cuida para não ser levado pelo impulso, para saber usar a agressividade conforme a ocasião e conveniência.

Aliás uma das grandes contribuições de Freud é ter mostrado que o neurótico não é livre, pois se acha dominado por forças inconscientes que mascaram suas ações.
A atitude obsessivo-compulsiva, como a de lavar as mãos seguidamente, por considerá-las sempre sujas ou cheias de micróbios, não representa um acto livre de alguém preocupado com a higiene. Trata-se de um sintoma e portanto tem um significado latente, oculto, que pode ser investigado. A interpretação é sempre relativa a cada caso concreto, mas, para fins de exemplificação, vamos supor que o significado fosse a culpa resultante de desejos sexuais reprimidos e considerados "sujos" pelo paciente. A cura da neurose estaria em trazer à consciência a causa escondida, ajudando o paciente a lidar com o seu próprio desejo.

A liberdade situada
O que observamos na posição que pretende superar a antinomia determinismo-liberdade é que a discussão sobre liberdade não se faz no plano teórico, a partir
do conceito da liberdade abstracta. Ao contrário, trata-se da liberdade do homem situado, do homem enquanto ser de relação.
Na linguagem da fenomenologia, traduzimos esses dois pólos como sendo a
facticidade (ou imanência) e a transcendência humanas. Pólos indissoluvelmente ligados.
A facticidade é a dimensão de "coisa" que todo homem tem, é o conjunto das suas determinações.
O fenomenólogo Luijpen diz: "Reflectindo sobre sua existência, o homem se encontra, com efeito, como 'já' imerso em determinado corpo e 'já' envolvido em determinado mundo. Acha-se como holandês, judeu, inteligente, aleijado, operário, emocional, doente,rico, gordo ou outra coisa qualquer. Tudo isto constitui o que ele já é. A saber, seu passado. Esse'já' é também chamado a 'determinação' do homem".
A transcendência é a acção pela qual o homem executa o movimento de se ultrapassar a si mesmo. É a sua dimensão de liberdade.
A liberdade não é uma dádiva, algo que é dado, nem é um ponto de partida, mas é o resultado de uma árdua tarefa, alguma coisa que o homem deve conquistar.
A liberdade não é a ausência de obstáculos, mas o desenvolvimento da capacidade de dominá-los e superá-los.

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